A ema e Emma

Na canção de Jackson do Pandeiro, a ema geme pra avisar. Avisos nem sempre são alvissareiros. No entanto, é bom estar alerta. Atentos para os movimentos que tentam cercear a liberdade.

“A liberdade é a maior ameaça que pode pesar sobre a autoridade”, afirma Emma Goldman. Isso acontece porque as pessoas são forjadas dentro de uma tradição familiar e de uma rotina que não exigem nem grandes esforços tampouco personalidade. Isso transposto para o mundo da política ocorre com mais força, conforme essa pensadora. Nos círculos políticos não é criado nenhum espaço para a livre escolha, para o pensamento ou para a atividade independentes. “Só encontramos marionetes boas apenas para votar e pagar os impostos.”

“As perseguições contra o inovador, o dissidente, o contestador, sempre foram causadas pelo temor que a infalibilidade da autoridade constituída seja questionada e seu poder solapado.”

Bom, está avisado: este é um blog com escritos libertários.

Quando alguma ameaça pairar sobre nossas cabeças, a ema vai gemer.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Família, que família?

Vi circulando nas redes, mas ainda não havia lido, um texto intitulado "A incrível geração de mulheres que foi criada para ser tudo o que um homem não quer". Hoje recebi um E-mail de uma amiga com o referido texto e li, finalmente.
Abaixo, as indagações que retornei pra ela, mas que não são exatamente pra ela mas para todas nós.

- Avançamos mais rápido do que o processo de absorção de mudanças pela sociedade? 


- Isso explicaria o crescimento do machismo? 

Imagine, numa época em que as mulheres se comportam como descrito no texto e ainda se faz necessária uma lei que as proteja da violência doméstica, das agressões cotidianas, do assédio moral e até da morte em nome da honra.  

- Será essa uma contradição transitória?

Gostaria que fosse, mas no texto a autora expressa uma observação preocupante quando "culpa" a sociedade como um todo pela "criação equivocada" a que fomos expostas, pela "imagem que ainda é vendida da mulher" e a pior de todas as culpas: a "dos pais que criam filhas para o mundo, mas querem noras que vivam em função da família". 

Pois é, o título do artigo remete a outra indagação. Os homens devem continuar a ser criados para querer mulheres que vivam em função da família patriarcal?


Ah, a que modelo de família estará se referindo essa moça? 

À tradicional Papai+mamãe+filhos, à uniparental Mamãe+filhos ou (rara) Papai+filhos, à Mamãe+mamãe+filhos, à Papai+papai+filhos?

Cá dos cafundós onde vivo, uma pulga ficou cutucando minha orelha. Bom, mas isso é assunto pra outra conversa!


sexta-feira, 28 de março de 2014

O machismo nosso de cada dia

Saiu nos jornais: pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre maio e junho de 2013, mostra que o Brasil do Século XXI no quesito igualdade entre os sexos está no ano 2000 a.C.
Vejam o gráfico e constatem!


Após décadas de luta feminista, de milhares de estudos discorrendo sobre as razões que levaram às desigualdade entre os sexos e a sua total obsolescência nos dias atuais, os resultados dessa pesquisa são como um soco no estômago.
A sociedade brasileira ainda considera que as mulheres não possuem o direito sobre o próprio corpo e que ao usar roupas que o revelem significa um convite ao estupro. Reivindicar um padrão de comportamento para as mulheres a fim de reduzir a violência sexual? O que é isso?!
Para nós mulheres não é novidade que o machismo se apresenta como uma ferida aberta na sociedade. Esses dados só confirmam o que vivemos no nosso cotidiano. As piadinhas sexistas dos colegas, o assédio, as "encoxadas" nos coletivos, as músicas mais populares no Carnaval, o desrespeito no trânsito e tantas outra situações que poderiam ser enumeradas. 
Não vi a pesquisa completa nem os dados desagregados quanto ao sexo das pessoas entrevistadas. Mas olhar esses dados e observar que mais de 25% da amostra considera que a mulher agredida gosta de apanhar se continua com o parceiro e que nesse grupo existem mulheres é muito triste. 
Olhamos para trás, vemos o quanto foi trilhado. Mas ao olhar para frente vemos que ainda há um longo caminho a percorrer.
A luta anticapitalista precisa recrudescer, pois muito da opressão sofrida pelas mulheres tem sua raiz na relação de poder presente e vigorosa na sociedade.


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Documentário Hiato :

Depois de um longo silêncio, a ema voltou a gemer. Gemeu dentro de mim, chacoalhou meus conceitos e me fez perceber como é difícil não ser engolida pela engrenagem. Que é preciso estar vigilante sempre para não ter a desagradável surpresa de se ver do lado em que não queria estar e de olhar o outro como nunca gostaria de olhar.
O vídeo postado a seguir, filmado há 14 anos, mostra como a sociedade ainda se encontra presa a amarras podres: preconceito, discriminação, egoísmo, desprezo pelo próximo. Pobres e ricos não podem compartilhar o mesmo espaço, isso fica bem claro. Espaço de consumo é espaço de exclusão, só deve ir lá quem pode consumir. Assistam e vejam o que não mudou desde a filmagem de “Eu só quero conhecer o Shopping” e o “Rolezinho” dos dias atuais.
O apartheid urrando na nossa cara e a gente fingindo que democracia racial existe.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Almas em cruz

Cruz das Almas, cidade de alma e labor femininos. Forjada labuta das charuteiras – hoje, operárias do fumo. Cidade mulher cujas ruas emprenham ao toque das sirenes das fábricas e cujo ar se impregna do cheiro acre do fumo à passagem dos anjos da indústria tabacaleira. Agora, outros espaços também se enchem de jovens trabalhadoras, são as fábricas de calçados, são os balcões das lojas de roupas e das de jogo do bicho, são os caixas de supermercados. Cidade fêmea cuja feminilidade invade as ruas mas não ocupa os espaços de poder. Muitos anos se passaram até que a ruptura dessa lógica começasse a trincar as paredes do parlamento, das repartições públicas e dos partidos políticos. Empunhando seus instrumentos de trabalho – caneta, enxada, agulha, linha, mãos e o saber – essas mulheres cruzalmenses são os novos sujeitos sociais a ocupar os espaços até então, para elas, quase interditos. Para isso, se organizaram, resgataram as bandeiras de antigas lutadoras como Jacinta Passos e começam a construir uma nova história, com nomes e identidades plurais; esculpem com mãos firmes e retórica afiada a nova alma da cidade, apesar de todas as cruzes. 

Texto originalmente publicado em Junho 2006

domingo, 2 de dezembro de 2012

deus, o estado e nós


Há dias atrás, chorando as mágoas e as desilusões com a política, uma amiga propôs a formação de um grupo de estudos que nos ajudasse a compreender o processo e o comportamento das pessoas nele inseridos.
Mencionou atabalhoadamente alguns temas, dentre eles as teorias anarquistas. Meus olhos piscaram negros como a bandeira do movimento.
Passou o tempo e não se falou mais nisso.
Hoje pela manhã, meu olhar pousou num dos livros adormecidos na escada. Sim, meus livros não estão organizados em estantes de acordo com o tamanho ou cor da capa, tampouco por tema. Poesia mistura-se com física e sociologia, romances com filosofia e a cura pelas plantas, todos (in)devidamente distribuídos em mesas de centro, mesa de cabeceira, banheiro. Qualquer lugar em que se possa vê-los e quiçá folheá-los.
Foi assim que me deparei com o exemplar de Deus e o Estado, do explosivo Mikhail Bakunin. (Seria serendiptia, Sandroekel?)
Pois se é pra começar, então façamos pela base, certo?
A nossa inquietação provinha, por linhas tortas, da raiz de todas as dores: o poder. Quem mais apropriado do que Bakunin para orientar nossa busca? Ele que entra em cheio no problema da legitimidade do poder.
Já na introdução do livro, Maurício Tragtenberg apresenta a questão basilar para compreensão do tema que são os estudos aprofundados feitos por Max Weber sobre “as formas da legitimidade do poder estatal através do tempo”.
Só isso já seria assunto para vários encontros do grupo. Logo de cara colocaríamos o dedo numa delicada ferida: religião. Com uma ou duas exceções, o grupo é composto por pessoas que professam religiões de base cristã.
Será que superaremos essa barreira? Discutir poder tangenciando as formas de dominação fundadas quer no Direito Divino (Séculos XVI e XVII) ou na legitimidade burocrático-legal, mas cujos desdobramentos nas constituições modernas não prescindem da legitimidade tradicional?
Lembremos a discussão no Congresso Constituinte, no final da década de 1980, no Brasil a respeito da promulgação da Constituição “em nome de Deus”. Estado laico, hem?
Tragtenberg menciona que as relações entre Igreja e Estado “apresentam aspectos diversos conforme a constelação histórica em que aparecem.”.
Enfim, seja qual for a constelação histórica, Bakunin vê a ação da Igreja e do Estado como a “fundação do materialismo próspero do pequeno número sobre o idealismo fanático[1] e constantemente faminto das massas.”.
Bom, isso é só o começo. Será que aceitaremos o desafio?

“É o privilégio que corrompe, os privilégios econômicos e políticos depravam o espírito e o coração.” Mikhail Bakunin



[1] Grifo meu

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

estrelas, corações e endireitamento esquerdista


As políticas sociais implantadas durante o governo Lula, ao elevar economicamente um grande contingente de pobres, criaram a ilusão do fim da luta de classes. Inserir no mercado de consumo as classes menos favorecidas sem que, paralelamente, fosse trabalhado e elevado o nível de politização e consciência de classe, fez com que essas se identificassem com a classe média dominante e suas idéias conservadoras. Os resultados dessas eleições são uma demonstração desse processo, mas também contaram com o “auxílio luxuoso” de líderes e governantes petistas que se assenhorearam dos cargos e rasgaram o estatuto do partido.

Isso me lembra um artigo de Frei Betto escrito em 2007 intitulado “Como endireitar um esquerdista”. Primeiro, ele conceituava esquerda, direita e esquerdismo. Esquerda, classificação surgida na Revolução Francesa, significando optar pelos pobres, indignar-se frente à exclusão social, inconformar-se com toda forma de injustiça ou, citando Noberto Bobbio, “considerar aberração a desigualdade social”.

“Ser de direita é tolerar injustiças, considerar os imperativos do mercado acima dos direitos humanos, encarar a pobreza como nódoa incurável, julgar que existem pessoas e povos intrinsecamente superiores a outros”, lembrava ele.

Já o esquerdismo é uma patologia diagnosticada por Lênin como “doença infantil do comunismo”. Ou seja, é ficar contra o poder burguês até fazer parte dele. “O esquerdista é um fundamentalista em causa própria. Enche a boca de dogmas e venera um líder.”

Conseguiram identificar alguns?


Para o esquerdista, povo é aquele substantivo abstrato que só lhe parece concreto na hora de cabalar votos, diz Frei Betto. Por isso, o esquerdista se aproxima dos pobres, não para tentar mudar a situação deles, e sim com o único intuito de angariar votos para si e/ou sua corriola. Passadas as eleições, adeus trouxas, e até o próximo pleito. Ele foi eleito ou conseguiu um emprego ou um bom cargo público, enfim, aboletou-se na cadeira.

E agora vem a parte do artigo que cutucou a ferida com o dedo. "Se um companheiro dos velhos tempos o procura, ele despista, desconversa, delega o caso à secretária, e a boca pequena se queixa do “chato”. Agora todos os seus passos são movidos, com precisão cirúrgica, rumo à escalada do poder. Adora conviver com gente importante, empresários, ricaços, latifundiários. Delicia-se com seus agrados e presentes. Sua maior desgraça seria voltar ao que era, desprovido de afagos e salamaleques, cidadão comum em luta pela sobrevivência.

Os ideais, as utopias e os sonhos são jogados na vala do esquecimento. O pragmatismo, a política de resultados, a cooptação e otras cositas mas passam a fazer parte da nova cartilha do esquerdista.

Desse modo, qual a diferença que o povo vai perceber?